TODO EXCESSO ESCONDE UMA FALTA.

Reza a lenda que todo excesso esconde uma falta. Ouvi essa frase na chamada de um programa de TV que eu assisti há alguns anos no canal pago Discovery Home & Health chamado Acumuladores. Era uma espécie de reality show que mostrava o processo de "destralhamento" na casa de pessoas acumuladoras. Essas pessoas tem um problema mental geralmente desencadeado após uma perda, e não sei se isso é uma regra. 

O que caracteriza a doença é o fato de que essas pessoas começam a comprar compulsivamente, pode ser uma mania por certo objeto, ou começam a levar lixo para casa, então essas coisas vão se acumulando até o extremo. Vi coisas impressionantes ali. Havia uma mulher que não "se desfazia" nem das fezes de seus gatos. Um senhor acumulava tudo, principalmente livros e jornais há mais de trinta anos. Ele circulava em casa por corredores estreitos e mal conseguia ficar em pé dentro casa, parque havia bagunça até o teto, literalmente. Então, tudo ao redor dos acumuladores começa a de deteriorar. Esses doentes precisam de ajuda psiquiátrica e psicológica para resolver essa situação, pois ele não conseguem de desfazer do lixo acumulado ao longo de anos. O problema emocional dessas pessoas se materializam, literalmente. A bagunça externa reflete nossa bagunça interna. O ambiente ao nosso redor reflete a nossa mente.

Também há pessoas que, cujo problema emocional não se materializa, mas elas os mantem na alma por uma vida toda, acumulando traumas, problemas, ressentimentos, mágoas e elas os expressam em forma da falta de perdão, falta de compaixão, de piedade, expressando e alimentando egoísmo, rancor, recalque, e as vezes vingança. Não importa se o lixo é físico ou emocional. Precisamos nos livrar deles para seguir em frente. Isso também inclui o autoperdão.

Houve um período da minha vida em que comecei a comprar cosméticos mais do que o necessário. Sempre fui vaidosa e consumi cosméticos de toda sorte, mas naquela fase, eu realmente extrapolei todos os limites do bom senso, mas eu não enxergava desta forma. Cheguei a ter cosméticos estocados cujo valor gasto ao longo de um tempo daria para eu ter comprado um carro popular usado à vista. E eu achava que jamais poderia ter um carro, porque "eu não tinha dinheiro". Não compreendia que o dinheiro que eu empregava em maquiagens poderia ser poupado para a compra do carro. Pensava que não podia pagar uma prestação ou poupar uma quantia mensal para este fim, mas que R$ 2,00 num frasco de esmalte não me faria falta. Cheguei a acumular 170 frascos deles, em cores que eu jamais usaria. E na grande maioria, eu paguei muito, mas muito mais que R$ 2,00.

Eu sentia o prazer em comprar cosméticos, em ter a posse deles, e na maioria das vezes sequer os usava por dó, porque foram caros. Tive mais de 40 frascos de creme hidratantes ao mesmo tempo, tive tanta maquiagem, que precisei de muitas soluções para organização. Um mercado imenso se desenvolveu por conta desta falta de bom senso mascarada de "necessidade". Closets, penteadeiras com mil compartimentos e gavetas, organizadores de todo tamanho e formato, e até personal organizers. E livros sobre o assunto, e mais programas de TV e por aí vai. Se não tivéssemos que organizar tralha, não haveria mais esse segmento de mercado para consumir. Minha avó dizia a seguinte frase pronta para várias circunstâncias da vida: "você vai arrumar para sua cabeça". O problema do acúmulo de qualquer coisa desdobram-se em outros problemas "para nossa cabeça": falta de espaço, falta de dinheiro, dificuldade para organizar e limpar a casa e as coisas, e consequentemente falta de tempo. Se você se lembrar de outros problemas, por favor, complemente nos comentários.

Minha vida estava empacada, as coisas não fluíam em vários campos da minha vida. Do espiritual ao profissional. Do financeiro ao amoroso. Posso dizer que eu, o acúmulo destas e de outras coisas, físicas e emocionais estávamos todos juntos rolando dentro de uma bolha rumo à lugar nenhum. E o meu estado interno me colocava em total vulnerabilidade à influência midiática que contribuía diretamente para aumentar essa situação.

O meu processo de destralhamento vem ocorrendo há pouco mais de cinco anos. Certo dia num churrasco de família, uma tia comentou que precisava de cosméticos e estava sem grana para comprá-los. Eu separarei algumas coisas para ela escolher e ela levou todas as opções que mostrei. Não sofri por ver minhas coisas indo embora. No outro almoço de família, ela me perguntou se eu tinha mais coisas para doar, e assim o fiz. Pouco tempo depois, eu me mudaria para um apartamento e então me desfazer de muitas coisas se tornou uma necessidade real, e desde então eu fui fazendo várias baixas em minhas coisas.

O acúmulo do passado se reflete na minha vida até hoje. Ainda tenho muitas coisas da época em que tinha de mania de comprar. Três anos após eu me mudar, havia uma única caixa com poucos cosméticos dentro. Como as coisas foram usadas, sobrou espaço para colocar esses produtos "pra jogo". Havia ali três lip balms, (fora um que mora na minha bolsa e outro que fica sobre a pia do banheiro junto dos produtos de skincare), havia hidratante para o corpo perto de acabar, havia produtos de cabelo que sabe Deus porque comprei um dia e nunca usei, como um beach spray, para fazer no cabelo o efeitos de "ondas parecidas com aquelas quando saio do mar". Quando vou ao mar, eu trato de hidratar o cabelo, pois eu nem gosto de fazer ondas no cabelo.

Eu não quero mais excessos. Todo excesso esconde uma falta. O excesso de cosméticos escondia a minha falta de autoestima, que só pude tratar e curar (ainda estou no processo de cura) por conta do autoconhecimento. A gente não cura o que não sabe e principalmente, admite que tem.

Continuo comprando cosméticos, mas compro o que de fato consumo. Geralmente faço compras para reposição. Isso quer dizer que tenho vivido a perfeição desde que tomei a decisão de me livrar do excesso? Não. Eu sei que vou escorregar, como nesses dias em que comprei um frasco de creme hidratante novo, tendo outros abertos e também lacrados. Estou namorando uma paleta de sombras e outra de iluminador. Não vou comprar neste momento porque não posso. Em outra época, eu as compraria mesmo sem poder, mesmo que isso sacrificasse coisas importantes. Quando eu puder, se as paletas ainda existirem eu compro. Se não existirem, paciência. Gosto de saber que hoje eu estou no controle. Meus impulsos não me controlam mais. 

Entendi também o meu papel na desordem que se encontra o mundo. O meu comportamento contribuiu para o aquecimento global, para a poluição absurda do planeta. Então, o mínimo que devo fazer é usar o produto até o fim, para que os resíduos não poluam, e colocar as embalagens para reciclar, pois essas embalagens também são matéria prima e podem ser a fonte de renda de muitas famílias. 

Superada a fase do consumismo, desejo trabalhar o desejo de posse. Mas falarei sobre isso em outro post. Só sei que não precisamos carregar coisas, sejam elas emocionais ou físicas. Elas empacam e complicam a nossa vida. Eu gosto de olhar para meu passado, aprender com ele e assim tomar decisões mais sensatas e coerentes para o futuro. Eu desempaquei, minha vida andou e está andando. Eu me orgulho do rumo que ela está tomando. 

Uma última reflexão: A forma como consumimos as coisas diz sobre nossas dores, individuais e coletivas? Quais são as suas dores? Quais dores você acredita ser coletiva?

Ah! Que minha vulnerabilidade seja a sua força. Que você possa identificar e curar as suas também!

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