QUEM É ESPECIAL?
O caos estava instaurado naquele final de
tarde na cidade de São Paulo. A chuva densa de verão havia acabado de lavar as
ruas, abafando o ar, provocando aumento do trânsito que já estava pesado. De um
lado, pessoas entediadas dentro das conduções aguardavam o tráfego fluir. Do
outro lado, pessoas entediadas nos pontos de ônibus aguardavam que o tráfego
fluísse, para que sua condução chegasse e enfim, pudessem voltar para casa,
deixando o caos para trás.
Um casal aguardava, sentados num ponto de
ônibus. Traziam no corpo, no rosto e nos gestos, as marcas de uma vida sofrida.
Ambos fumavam. Ele segurava o cigarro entre os dedos. Ela segurava o cigarro entre
os lábios, já murchos, que há muito perdeu os seus dentes. Os rostos sulcados
pelas asperezas da vida, demonstrando mais envelhecimento do que provavelmente devia
ser de fato. Enquanto esperavam, manuseavam sacos e mais sacos de cabeças de
alho graúdas. O que fariam com todo àquele alho? Onde será que moravam? De onde
estavam vindo? De que vida estariam vindo até chegarem até ali, tão sofridos?
Quais foram as suas lutas? Suas vitórias e derrotas? Qual será a história de
suas vidas?
Certamente é apenas mais uma história
perdida entre as pouco mais de doze milhões de histórias paulistanas, e perdidas
entre as mais de duzentos milhões de histórias brasileiras. E as nossas histórias,
também são anônimas e perdidas? Não gostamos de nos sentir especiais? Mas o
quanto nos vestimos e empatia e paramos para olhar para o outro, seja o outro,
um casal de aparência humilde e sofrida num ponto de ônibus qualquer, ou para o
motorista estressado carro ao lado, preso no mesmo engarrafamento. Será que ele
está passando por um dia ruim? Será que o motivo do estresse dele o aguarda em
casa, mas ele desconta e buzina em qualquer um que atravesse o seu caminho?
Estará ele percebendo, reverenciando e respeitando o casal sofrido do ponto de
ônibus, sujeitos às intempéries climáticas, ou considerando que o motoboy louco
também tem problemas que os espera em casa, e que precisa se livrar rápido do
trânsito violento da cidade caótica depois da chuva? O quanto estamos olhando para
o próximo com afeto e consideração? E quem é a personagem mais especial desta
vida, que passa pela mesma situação, mas
sob uma perspectiva diferente? Vamos pensar sobre isso?
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